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Educar para não desistir

Texto publicado no jornal Extra Classe em 10 de junho de 2012

Quem nunca viveu isso alguma vez na vida? Estamos diante de uma situação nova, um desafio, e… travamos. Por que isso acontece? É como as armadilhas do filme Indiana Jones, quando o herói pisa no quarto que guarda o tesouro sagrado. As engrenagens se mexem, a terra treme e tudo vem abaixo. A sensação é de surpresa e aflição. Lembra quando você esqueceu a chave na ignição do carro e o trancou pelo lado de fora? É parecido com isso. Ondas de calafrio, uma química perversa se espalha pelo sangue, um coquetel de toxinas que envenena e entorpece.

A tragédia é que esse travamento é absolutamente normal e faz parte do processo de raciocínio e desenvolvimento das articulações neuronais. O cérebro percebe que lhe falta “musculatura” e se protege de uma estafa desnecessária, dando início a uma reforma no “hardware”. Quando a família cresce e precisamos de mais espaço, acontece a mesma coisa. Acrescentar um quarto ou um puxadinho significa tolerar um período de obras debaixo do nariz. Um tempo em que aquela parte da casa ficará inabitável.

Se levantamos mais peso do que um músculo permite, podemos ter problemas de rompimento de ligamentos ou distensões musculares. Para isso há um treinamento, uma curva de aprendizado que precisa ser seguida na velocidade que nossa estrutura permite. Então, não caia no erro de achar que seu hardware veio com defeito. Não. Não tem nada a ver com isso. Um carro não anda sem gasolina, um músculo não vem pronto para levantar 100 quilos. Não adianta exigir que um aluno resolva o teorema de Pitágoras na primeira série. Isso causaria lesões em sua autoestima que poderiam comprometer o processo normal de desenvolvimento intelectual, gerando sentimentos nocivos, raciocínios equivocados, equações cujos resultados são a impotência e improdutividade. Muitos adultos viveram esse sentimento na infância, e hoje disparam suas armadilhas bem antes de entrar no quarto sagrado, na arena dos desafios. Passam a procrastinar e desistir. Transformam-se em indivíduos frustrados e infelizes.

Por isso, caro professor, cuide bem da semente que está plantando. Mas cuide ainda mais do solo que a recebe, para que ele permaneça cada vez mais fértil e saudável, pronto para as reformas que a vida há de impor no caminho rumo aos tesouros da sabedoria.

 

Quando escrevi o texto acima, há nove anos, eu estava travado. Tentava desesperadamente escrever meu trabalho de conclusão para a Pós-Graduação em Marketing e Comunicação na ESPM. Só consegui terminar um ano depois desse texto. Passei maus bocados. Troquei de tema duas vezes, desisti e recomecei outras tantas até que cheguei ao fim e me livrei. As vezes sonho em fazer um mestrado ou douturado. É só lembrar dessa época que me acordo sobressaltado. O que me desespera tanto nessa coisa de escrever coisas acadêmicas? Hoje desconfio que a explicação acima não se aplica ao meu caso. Sinto que meu travamento não vem de uma suposta falta de preparo ou musculatura intelectual. No caso daquele trabalho de 2012 até faria sentido, pois eu estava tentando elaborar um plano de marketing, coisa de que compreendia muito superficialmente. Mas num mestrado sobre cinema, por exemplo, estaria em tereno mais seguro, com a prática a meu favor. "Alfredo, do que você tem medo então? Por que não tenta fazer esse mestrado?", me pergunta o Selton Melo na sessão de terapia. Ao contrário dos seus pacientes, eu respondo a pergunta: "Acho que sinto medo de frustrar as expectativas dos meus pares, tanto na academia como fora dela. E de frustrar as minhas próprias expectativas também. Sinto medo do meu perfeccionismo por um lado, e da minha procrastinação de outro. Perfeccionismo e procrastinação são duas coisas que não deveriam habitar a mesma pessoa. Quanto ao perfeccionismo, não seria um problema se eu não fosse também preguiçoso e impaciente. Quem é preguiçoso não deveria ser perfeccionista. Isso é uma maldição. Quero um trabalho genial como resultado, mas que me tome pouco tempo e trabalho. É igual aquele fisiculturista de poltrona. Quer a barriga de tanquinho sem passar por dieta ou academia. Queria uma calculadora pra me ajudar nessa equação. Eu sonho com o título de mestre e doutor, dar show na banca, ter publicação, aplauso. Mas queria que tudo isso acontecesse no improviso de um solo numa jam session. Quero mágica. Ser rico sem trabalhar. Ser um hacker da academia." O Selton dá na minha lata: "Pra que você quer esse título de mestre e doutor? O que significa esses títulos pra você?" Pausa... Não sei o que responder. Nunca me perguntei isso. Não quero dizer que sinto inveja de quem tem, o que ele vai pensar de mim? Ele segue. "Um título de mestre, doutor, PhD, etc, é uma comprovação de que você ralou muito pra conquistar o direito de usá-los. É como uma medalha de bravura em batalha. É compreensível que a gente sinta algum tipo de inveja de quem conquistou o direito de usá-la. Mas você acha que veria algum sentido em receber essa medalha sem pagar o que ela vale? Você acha que esses títulos teriam algum valor pra você se os recebesse sem esforço?" Pausa... Eu lembro do "título" de Montador Cinematográfico, medalha que já uso no peito há mais de duas décadas e nunca me senti merecedor. Lembro do meu diploma de "Jornalista" que carrego na consciência desde que me formei na FABICO a pau e corda em 2003, depois de oito anos de matação e falcatruas. O grau de Especialista em Marketing, desde 2013, quando entreguei o trabalho que motivou o primeiro texto desse post, medalha que quase me matou de angústia, ansiedade, desespero e falta de sono... Não sinto que mereço nenhuma dessas medalhas. Será que mereço? A única que acredito merecer (apesar de ainda não acreditar de fato) é a de montador. É a única que tenho provas irrefutáveis de que mereço, mesmo que ainda não me convençam, pois atribuo minha fama à sorte, aos bons projetos que dei sorte de pegar pela frente, aos diretores, roteiristas, produtores e produtoras... "Acho que eu não daria valor nem se merecesse cada letra de cada prefixo a frente do meu nome. O que eu invejo é a capacidade de enfrentar o desafio e de se sentir merecedor ao vencê-lo." O Selton sorri e conclui a sessão. "Continuamos semana que vem?"

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